Nos últimos anos foram multiplicadas as ofertas de especialistas, coaches, cursos, workshops que falam sobre neurociência e ensinam técnicas de bem-estar e como manter um bom estado mental, evitar o estresse e ser feliz, entre outras variações.
Nada disso é novo. Eu cresci lendo livros de Louise Hay, Deepak Chopra, fiz diversos cursos do que é genericamente conhecido como autoajuda.
Mas recentemente, esses asssuntos ganharam uma nova abordagem, alimentados por conhecimentos ancestrais que passaram a ser explorados em inúmeras pesquisas científicas.
Benefícios da meditação foram medidos a partir de imagens cerebrais, cientistas passaram a medir reações corporais após processos para lidar com estados emocionais e a neurociência detalhou as substâncias associadas a sentimentos.
Adrenalina, cortisol, serotonina, dopamina, oxitocina, entre outros nomes de neurotransmissores, viraram tema de cursos, livros, posts de redes sociais.
Por exemplo, pesquisas mostram que quando no mantemos num estado de gratidão estimulamos o sistema de recompensas do cérebro com a produção de dopamina. Diversas matérias que li sugerem a prática da gratidão para garantir estados mentais mais saudáveis.
Quer dizer que vou ser grata por algo apenas porque vou ganhar algo em troca?
Leio uma matéria em um importante jornal que a ‘Neurociência explica porque temos fome de pele e precisamos de abraços’. Sério que precisamos mesmo justificar isso?
Enquanto é positivo que a ciência entenda cada vez mais o funcionamento do cérebro e da sua bioquímica, pra mim, isso tudo está mais para neuraciência do que neurociência. Leio coisas do gênero: Você sabia que emoções negativas podem criar caos no sistema nervoso, mas emoções positivas fazem o oposto?
E aí eu me pergunto, é preciso saber disso para que eu não queira ter emoções negativas? Antes de saber que posso estar estimulando caos no meu sistema nervoso, eu estava me divertindo tendo emoções negativas?
Uma outra matéria revela que ‘Estudo da universidade de Boston mostrou que as pessoas otimistas costumam ter de 11% a 15% a mais de tempo de vida do que os pessimistas.’
Sério? Entre 11% e 15% a mais de tempo de vida farão você desistir de ser pessimista? Caso ser pessimista não encurtasse sua expectativa de vida, você iria querer continuar a viver assim.
Não faz o menor sentido.
Médicos ensinam a estimular a bioquímica do cérebro com dicas como ‘dormir de 7 a 9 horas’, ‘rir com pessoas especiais’. Isso pra mim soa muito estranho. Parece que se nosso cérebro pudesse nos manter num estado de calma, alegria, com foco sem que fosse necessário exercitar comportamentos humanos e demonstrar gentileza, ter cuidado com a saúde e com os demais, manter nosso relacionamentos saudáveis, que não faríamos nada disso. Que continuaríamos a viver de maneira egoísta e desconectada com os outros e com nosso corpo.
E por aí vai. Os exemplos são inúmeros.
Serviços online e especialistas divulgam benefícios como ‘28% menos triste’ ou ‘48% mais energia”.
Para uma pessoa que está triste, o que significa ficar 28% menos triste? Como se mede isso? Eu nunca medi minha tristeza assim.
Será que precisamos medir em números e com percentuais nosso estado de bem estar? Precisamos de justificativas para sentirmos gratidão?
Precisamos de justificativas para sermos humanos?